Eu sei que logo de cara te fiz se identificar com apenas um título. E se você não se identificou, fico genuinamente feliz por você. Mas se você foi uma das pessoas que entendeu o que eu quis dizer com essa frase, “minha mãe me ama, mas não gosta de mim”, fique e vamos bater um papo… acho que muitas coisas precisam ser ditas, não é mesmo?
O lado feio (do amor) da família
Sabemos que famílias são diferentes e complicadas. Cada uma tem seu jeito, sua peculiaridade, suas brigas e desentendimentos, seus momentos de lazer e paz. Isso tudo é normal, até porque, pessoas são complexas. E por conta de serem complexas, é normal que haja conflitos, que se desentendam.
Sei que na internet tudo são flores. Nós achamos que a vida das pessoas são perfeitas, que nada de ruim e errado acontece com elas. Mas no fundo sabemos que isso é impossível. Ninguém tem uma família “doriana” (termo e expressão usada para descrever um estereótipo de “família perfeita”, conceito criado no comercial da marca Doriana nos anos 80/90).
Por mais que as pessoas tentem mostrar só esse lado “perfeito”, infelizmente dentro de casa não é esse lado que se aflora. É o lado feio, sujo, que ninguém sabe e ninguém vê. Coisas que só você e sua família sabem o que acontecem, que muitas vezes é opressor e aterrorizante. Realmente muito difícil e doloroso.
É nesse ponto que eu queria chegar.
Infância de trancos e barrancos
Sempre tive um relacionamento muito complicado com a minha mãe, desde pequena. Na verdade, desde quando eu nasci. Ela desenvolveu depressão pós parto e durante os meus primeiros meses de vida, foi minha vó quem me criou praticamente. E eu não conto isso colocando a situação como culpa dela, longe disso! Mas sabemos que a depressão pós parto desencadeia algumas dificuldades emocionais e sociais do bebê, principalmente com a mãe. Talvez tudo realmente tenha começado assim, ou talvez não, até porque a DPP (depressão pós parto) não é culpa da mãe e não está relacionada a sua capacidade de ser uma boa mãe!!!
Mas, comigo foi assim:
(Talvez alguns relatos podem ser gatilhos para algumas pessoas!)
Já ouvi que ela se arrependia de ter sido mãe, de ter me tido. Mas também ouvia que ela me amava… Cresci sendo xingada de diversas coisas horríveis (bem pesadas, aquelas que você não imaginaria que uma mãe falaria para seu próprio filho), achando que tudo aquilo era verdade, que eu não era suficiente para ela. Quando eu queria atenção, às vezes era ignorada. Não ouvia palavras de incentivo e sempre me sentia culpada.
Lembro de quando tinha entre meus 5/6 anos, quando me contaram na escola sobre a lenda da loira do banheiro, e obviamente como uma CRIANÇA senti muito medo. Não conseguia ir no banheiro sozinha e sempre pedia para a minha mãe averiguar para ver se não tinha nada lá. Ainda sim ficava com medo do espelho do banheiro e chorava. Determinado dia minha mãe resolveu quebrar o espelho na minha frente, de uma forma bem agressiva, jogando-o no chão. E depois eu levei um belo de um sermão do quanto ela gostava do espelho e eu fui a culpada daquilo ter acontecido, obviamente tudo aos berros.
Outro dia qualquer da minha pré-adolescência, comecei a ter amizades com meninos. Mas nunca falava sobre amigOs perto da minha mãe, pois ela sempre achava que tínhamos algo a mais e brigava comigo. Por causa disso, tinha medo de demonstrar o mínimo de afeto por qualquer garoto, de amizade mesmo, sem intenção nenhuma, ou até mesmo trocar um simples “oi” com a minha mãe por perto. E então, certo dia em quanto saia da escola e minha mãe me esperava para irmos embora, um menino qualquer em que eu não conhecia me abordou pedindo uma simples informação, e ela viu. Quando entrei no carro, ela me perguntou quem era e eu simplesmente respondi que eu não sabia. Mas, ela pensou que eu estava tendo algo com aquele garoto, me deu um sermão e me xingou de tudo o que vocês podem imaginar. As palavras que mais me marcaram foi “v@gabund@” e “p#ta”.
Não me lembro de uma só memória da minha mãe me dizendo palavras de encorajamento ou de amor. Me dizendo para não desistir, para ser forte, corajosa, ou que eu era capaz de fazer as coisas e alcançar meus sonhos. Era sempre o oposto, “uma merda”, “pessoa difícil”, “não vale nada”, entre outras coisas. Quando eu ia na casa de alguma amiga, e a mãe dela era legal, atenciosa e amorosa comigo, imaginava o quão bom seria se minha própria mãe fosse e me tratasse daquela forma. “Mas Ju, você mesma escreveu um pouco mais acima que para as pessoas de fora as coisas são mais bonitas e perfeitas do que realmente são no off”. Sim, mas e quando minha mãe demonstra tudo isso mesmo na frente das minhas amigas? Sempre me envergonhei de levar amiguinhas em casa por medo de minha mãe me humilhar na frente delas. Na verdade, até hoje.
E tudo isso é pouco comparado ao todo da minha vida.
Parece que quanto mais eu cresço e amadureço, mais as coisas ficam complicadas. Atualmente ela entende que tudo o que eu faço é uma espécie de competição para com ela. Um exemplo para entenderem: se eu vou para a academia e resolvo compartilhar meus resultados (sem nenhuma intenção de provocá-la ou instigá-la), ela entende como uma afronta e faz comentários como “você está me dizendo que eu estou gorda?”, “já entendi que eu estou fora de forma”, ou aquela breve comparação como “quando eu fazia tal coisa no passado eu era muito melhor que você”. E isso se estende para exatamente TUDO da minha vida, sejam assuntos da faculdade, das conquistas pessoais, das felicidades do ministério…tudo se torna uma competição em que ela tenta se provar superior a mim, e no final, sou eu a vilã.
Outra situação que acontece geralmente no mesmo momento que essa que citei acima, é quando eu resolvo me defender dos comentários ofensivos dela. Isso desencadeia gritos e choros, onde ela diz que eu não escuto ela ou que ignoro-a. Isso porque quando resolvo ficar em silêncio diante as situações, ela me diz que eu finjo que ela não existe, ou que ignoro e que nada está acontecendo. Mas, quando resolvo falar algo para explicar a situação e dizer que não é aquilo que ela entendeu, eu saio como filha rebelde mal educada.
Eu ainda moro com meus pais, e sei que por causa disso devo muitas satisfações e responsabilidades para com eles. Mas, como jovem adulta estou começando a ter meus próprios compromissos e responsabilidades, o que é completamente NORMAL. Para minha mãe isso também é uma afronta. Se eu saio com meus amigos e volto um pouco mais tarde, ou se passo o dia fora de casa, automaticamente estou abandonando a minha família e não passando tempo suficiente com eles. Porém, quando estou em casa disponível para eles, sou a pior pessoa do mundo, chata, insuportável que não liga para os sentimentos de ninguém além dos meus. Eu faço falta ou não faço? Posso realmente crescer e virar adulta de verdade? Tudo o que eu faço está errado e nunca é o suficiente.
De repente uma vez na vida e outra na m0rte, minha mãe resolve ser uma pessoa legal, que demonstra um pingo MÍNIMO de afeto, onde eu acabo achando que aquilo é o máximo. Ela conversa tranquila comigo, me aconselha e me leva para passear. “Nossa, a minha mãe é legal, por que pensei e senti tudo aquilo dela? Eu realmente sou a filha ruim que ela fala, né? Afinal ela ta sendo tão legal e amorosa comigo hoje…eu sou a culpada.”
Sabe quando você está passando por um momento difícil e lembra que não pode chamar a SUA MÃE para te apoiar como as outras pessoas fazem? Sabe quando você só queria que ela te entendesse e soubesse que você também tem sentimentos? Que desenvolveu muitos traumas e agora precisa aprender a aprender a lidar com todos eles na fase adulta? Mas ao mesmo tempo você a ama, tenta entende-la e não ser uma filha rebelde, mesmo as vezes parecendo que ela sente prazer em te criticar e apontar todos os seus erros e defeitos. Afinal, quando ela demonstra migalhas de afeto você se sente a pior pessoa do mundo por reclamar dela.
Um pouco de esperança
Se você passa ou passou por tudo isso e muito mais, saiba que está tudo bem não ser melhor amiga da sua mãe. Você não precisa contar e compartilhar tudo. Eu sei o quanto é difícil, o quanto dói passar por todas essas coisas. Mas no final aquela frase que provavelmente ela já te disse, “não sou suas amigas, eu sou sua mãe”, é verdade. Ela realmente é sua mãe, e “só”. Claro, isso não te dá liberdade para desrespeitá-la, mas sim para entender que esse é o papel dela. E de novo, tudo bem ter apenas esse relacionamento de mãe e filha, mesmo que muitos tenham isso e uma amizade sincera e verdadeira. Fico feliz se você, querido leitor, for uma dessas pessoas que tenha um bom relacionamento materno. Mas se você não tiver, coloque no seu coração que está tudo bem, mesmo com todas as dificuldades. Não passe por isso sozinho, tenha amigos que te aconselhem e estejam do seu lado. E lembre-se que tudo isso não é para sempre.
Eu não sei a solução para essas coisas. Não sei como resolver nada disso. Talvez sua mãe nunca mude, ou talvez sim. Tudo é uma incógnita. Mas escrevi tudo isso como um desabafo e consolo para aqueles que se identificam. Eu amo minha mãe e devo toda a gratidão por ela ter me gerado e cuidado de mim até aqui. Mas, minha mãe me ama, por ser filha dela, e mesmo assim não gosta de mim. E espero saber lidar com isso…